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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O primeiro Câmara


João Gonçalves Zarco

"Je suis un ancestre" (Junot)A primeira pessoa a assinar Câmara (ou a adquirir este direito) foi João Gonçalves Zarco, a partir de 1460, mediante o decreto de D.João V, de Portugal. É provável que Zarco não tenha usado seu novo nome de família, pois o decreto, certamente, o alcançou provecto e a mudança não teria qualquer efeito prático. Mas, com relação a seus filhos, que já assinavam Câmara, o decreto, que confirmou a concessão da Capitania do Funchal à família, oficializou o sobrenome.
No âmbito desta genealogia, porém, Zarco assume uma posição de primeira grandeza, por estar em seu nome o decreto real que instituiu o patronímico, devendo-se, então, deter um pouco mais sobre sua biografia.
Há divergência quanto a seu local de nascimento: Matozinhos, Tomar ou Santarém. Os nomes de seus pais também não são conhecidos, embora o escritor português Mascarenhas Barreto arrisque dizer que talvez fosse filho de Gonçalo, por causa do sobrenome Gonçalves. No "Nobiliário da Ilha da Madeira", de Henrique Henriques de Noronha, há referência a um provável irmão do primeiro Câmara, Álvaro Gonçalves Zarco.
O sobrenome Zarco oferece algumas curiosidades. Há controvérsia quanto a grafia (Zarco ou Zargo), o que em nada altera seu significado, pois, a primeira forma corresponde a "vesgo", "caolho", e a segunda, "o que tem olhos azuis". Na verdade, certos tipos de cegueira deixam os olhos opacos, com aspecto leitoso, azulado. Portanto, tanto um adjetivo, como o outro, podem apontar o mesmo defeito físico. Sustentam alguns historiadores que ele teria se ferido numa daquelas batalhas contra os mouros, nas quais se empenhara, perdendo um dos olhos e ganhando a alcunha.
Uma versão diversa e heróica diz que derrotou em combate pessoal um árabe chamado Zarco ("Zarq"), adotando-lhe o nome, como troféu. Essas prováveis lendas deixam sem explicação o fato de seu irmão também ter se chamado Zarco. Em razão disso, uma terceira versão empurra as duas primeiras para uma geração anterior, creditando os fatos ao pai deles. Os dois, João e Álvaro, teriam simplesmente adotado o apelido, como sobrenome.
Por outro lado, em documentos anteriores, contemporâneos e posteriores ao navegante descobridor da Ilha da Madeira, encontram-se referências a muitas pessoas de sobrenome Zarco, todas de origem judaica. Segundo Alberto Dines, em "O Baú de Abravanel", "os Zarcos foram 'habitués' nos registros de D.Afonso IV e D.João II, todos judeus proeminentes em Lisboa e Santarém. Um deles, Mossé, menos lustrado, foi alfaiate de D.João II e veio a se sentar na cadeira da Sinagoga Grande, que pertenceu a duas gerações dos Abravanel. Houve um médico português, mestre Joseph Zarco, que alguns autores afirmam ser o mesmo Joseph Ibn Sharga, grande cabalista. Em Rodhes, viveu no século XVI, um poeta de nome Yehuda Zarco". Já em "Judeus e Inquisição", de Maria José Pimenta Tavares Ferro, colhe-se a informação que Gedeliah Zarco era escrivão em Santarém e seu pai, Issac Zarco, mestre. Há razões palpáveis que remetem à possível origem hebréia de João Gonçalves Zarco. Os judeus participaram da construção da nação portuguesa, desempenhando papéis importantes na economia, ciência, artes e navegação marítima. Zarco já era navegante experiente, quando ofereceu seus serviços ao Infante D.Henrique. Como não se conhecem suas origens, alguns historiadores supõem que pertencesse a uma família de navegantes judeus. Por outro lado, o desaparecimento do sobrenome Zarco é sintomático, ou seja, poderá ter sido um artifício para despistar sua origem sefardista. De fato, ao longo da história, o sobrenome Câmara passou a ser uma garantia de "pureza de sangue". Muitos dessa família detiveram altos cargos administrativos no reino e colônias, outros destacaram-se na literatura e ciência, alguns fizeram parte da nobreza e houve os que se projetaram no clero.Mesmo assim, durante a inquisição, alguns Câmara não escaparam ao Santo Ofício. Manoel da Câmara, marroquino de nascimento, da cidade de Tétuan, caiu nas malhas da Inquisição, tendo sido condenado a cárcere perpétuo em 17 de agosto de 1664. O fato de ser ele natural do Marrocos explica-se. A comunidade sefardista daquele país formou-se com judeus expulsos de Espanha e Portugal no final do século XV. Outro condenado pela Inquisição foi Rodrigo da Câmara, descendente de Zarco. Segundo Mascarenhas Barreto, Rodrigo teria sido levado à fogueira em 1652. Já na versão de Henrique Henriques de Noronha, ele teria morrido recluso num convento no Algarve.
A biografia de Zarco, antes de seu estabelecimento na Ilha da Madeira, continua, a despeito dessas considerações, obscura, indefinida. Mas isso tem pouca importância, quando se trata de personagens pioneiros. Eles não precisam, necessariamente, provir de clã algum, são eles próprios o clã originário, o início de uma estirpe, de uma história.

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